Boca grande, Corpo pequeno
A boca grande engolia o corpo pequeno como se fosse uma epopeia mítica - e apocalíptica -, sob um céu de nuvens densas e escuras que se erguem acima de grandes e sangrentas batalhas e cujos heróis, como esperado, sobrevivem no final, abraçados ao milagre.
Se eu acreditasse em Deus, ele pensava, provavelmente O encontraria com a bússola da língua no meio da pele dela, misturado aos pelos e suor, como um deus epidérmico que recebesse orações feitas de arrepios e calor.
Herege!, ela riria, amaldiçoada desde o ventre com desejos que não tinham chegada, nem partida, e que a inundavam feito gasolina para uma perene combustão, as moléculas queimando, queimando, de fazer ciúme ao sol.
Os lençóis molhados, maltratados, eram das poucas testemunhas.
Foi quando desceu a lua, invisível no meio das nuvens cheias, das luzes que caíam e dos tambores ensurdecedores cantando com a chuva, escute, que ela gozou tão alto que mesmo os sonos mais profundos foram interrompidos, por susto e por cobiça.
A boca grande não se cansava, nem o corpo pequeno, que crescia.
Seguiam bélicos, assassinos e impiedosos, perseguindo um ao outro como faria o mais ganancioso dos mercenários à recompensa mais preciosa.
Os dedos amalgamados, as pernas abraçadas, veja, boca e corpo deslizando, tremulando.
Era o fim!
Faltava pouco terreno, cediam as trincheiras. O corpo se contorcia, enfraquecido; a boca diminuía, perdia distância. Ruminavam ao largo seus suspiros derradeiros.
Ai de nós!, ela murmurou, ouvindo as vozes da água lá fora e pressentindo o castigo.
Porque ninguém no mundo teria permissão para desejos daquele tamanho, temeram os dois em segredo, e não havia como sobreviver a eles no final, ainda que suplicassem pelo contrário.
Ilustração de Felipe Stefani
@stefanifelipe
Então eles se apartaram, em armistício, boca pequena e corpo grande, originalmente tristes e exaustos animais, com as mãos agora já não mais entrelaçadas.
Ameiiiii
ResponderExcluirEste conto me lembrou do Yin x Yang...
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