Exercício sem título - 24.02.19


Tinha as costas bonitas, eu observava, enquanto ela contava alguma história e eu a massageava. Meu pau murcho e enrugado sobre a bunda pequena e redonda parecia muito sério e concentrado no relato. 

"Eu era criança, naquele tempo, não tinha nem uns quinze anos, tenho certeza, quando a vizinha amiga da minha mãe chamou a gente para passar uns dias no Icaraí, na casa de uma tia rica dela. Ela tinha chamado também um amigo, que tinha um bigode grosso, era engraçado e tocava violão, eu me lembro. Eu me lembro porque todas as coisas boas que ele significava deixaram de fazer sentido, da noite para o dia, quando eu soube da notícia. Hum, o que você está fazendo?"

Eu não sabia.

"É muito bom", ela refletiu, mas com ares muito distantes.

"Que notícia?", eu incentivei, massageando, arrancando cravinhos com a unha e olhando as curvas presas sob as minhas pernas.

"Pois então. Aquele foi um final de semana desses que não são exatamente felizes, porque são meio impostores, meio verdadeiros. Todo mundo tinha um luto para sentir: minha mãe, que tinha perdido um irmão; eu, que tinha perdido um tio; e a vizinha, que tinha perdido, no mesmo homem, um amor não correspondido e que nunca mais poderia ser", ela continuou.

"E o que isso tem a ver com o amigo?", eu perguntei, demonstrando interesse, mas muito perto de deixar de prestar atenção.

"Tem a ver que ele, tocando aquele violão e contando piadas, era como um caça-fantasmas só nosso, feito uma luzinha no escuro, espantalho das nossas tristezas. Já conheceu alguém assim? Nada parecia tão ruim quanto realmente era, só por causa dele. Foi por isso que, depois daquele fim de semana, ele se tornou um amigo para nós também."

E eu pensei, com pouco esforço e clareza, que a história ia terminar ali. Nem lembrava como ou por que tinha começado, afinal, no meio de uma massagem idealizada para outros fins.

O cheiro do óleo, os braços finos colados à cintura e os peitos amassados embaixo dela fizeram meu pau inchar, ignorando a tagarelice e aguardando o anúncio cúmplice do corpo entregue. Mas ela continuou.

"Um dia, nem muito longe, nem muito perto desse fim de semana, eu acho, a vizinha chegou lá em casa com os olhos inchados de chorar. 'Ele tinha tudo planejado. Comeu sua comida favorita, passou a tarde com a mãe e à noite convidou a menina que ele gostava pra sair', eu ouvi escondida. 'Depois que ele deixou ela em casa, tomou os comprimidos dentro do carro mesmo, numa avenida mais pra frente. Foi achado hoje de manhã', ela contou. Fizeram até segredo pra eu não saber."

Um silêncio.

"Foi essa a notícia", ela concluiu, uma lágrima escorregando sobre os pelinhos das bochechas. 

Então o corpo, antes frouxo, enrijeceu desconfortável. Eu me levantei envergonhado e perguntei se ela queria água. Ela não respondeu. Só disse - mais para ela mesma do que para mim - que ninguém andava seguro em lugar nenhum. E que a morte e a vida eram rostos de um mesmo fantasma que vivia conosco e que, quando se cansava, ia embora e nos levava juntos.

Meu pau murchou outra vez e eu, que me vi desagradavelmente obrigado a pensar nessas coisas, fui buscar a água mesmo assim.


                                     
memento mori
@karin_rytter_studio


Comentários

  1. Você está ficando mestre em nos surpreender. Aqui foi uma surpresa triste, mas ficou interessante pq foi triste. Foi um texto com um quê de onírico... Gostei dessa passagem: "Nada parecia tão ruim quanto realmente era, só por causa dele." Sim, já conheci pessoas assim, com uma energia generosa! Cada uma tem seu tempo dentro de nossas vidas... depois se vão, somem aqui por esse mundo mesmo, mas as lembranças continuam generosas ;)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Quando amei uma mulher

Oração

O seio da mulher amada