Quem tem medo da morte?


 Visitei uma clínica de tanatopraxia – prática de conservação de corpos para velórios e traslados – em busca de inspiração para a escrita de meu novo conto, Guarda-me bem e me ama também

A morte, veja só, sempre foi assunto que me fascinou. Não de maneira mórbida e assombrosa; mas desafiadora. Foi aos treze anos, quando perdi meu irmão mais velho para um acidente de moto, que compreendi, pela primeira vez, que a vida não era infinita. Foi também a primeira vez que tive depressão e, acredito, enfrentei episódios de grave ansiedade. De lá para cá (hoje tenho vinte e sete anos), tenho vivido meus dias sempre tentando me educar a esse respeito, uma educação para a morte, aprendendo sobre as concepções desse fim, as fases do luto e a inevitabilidade de sua chegada.
Foi por isso que decidi visitar a clínica Hórus, que fornece serviços de tanatopraxia. Eu queria escrever um conto que versasse, de algum modo, sobre esse assunto e, tudo de que eu me lembrava, além da minha própria experiência de perda, era da série televisiva Six Feet Under (A Sete Palmos), produzida pela HBO e que narrava a rotina de uma família dona de uma funerária (ótima série, por sinal!). Eu adorava o tratamento filosófico e reflexivo concedido ao tema.
Então, por meio de uma aluna muito querida, conheci a Welbia Simão, uma das sócias da clínica Hórus de tanatopraxia, localizada no bairro Edson Queiroz, aqui em Fortaleza, atuante desde 2008 nessa área. E a conversa foi, além de tudo, muito humana e esclarecedora.

Foto de Davi Melo
@daviesuaprocrastinacao

Com a Welbia eu aprendi que os bastidores da morte não são, nem de longe, macabros como se pensa. E que essa comunidade, obscurecida pela natureza do serviço que presta, sofre bastante preconceito, arraigado ao tabu que ainda são a morte e a nossa postura diante dela.
A tanatopraxia é, antes de tudo, a valorização da lembrança, da memória daquele que faleceu. Essa pessoa é recebida pela clínica com muito respeito e carinho, e há uma série de cuidados que envolvem o luto e a preparação desse indivíduo para o velório, para se despedir da família. Como a Welbia disse, “não é um trabalho automático, tem que ter doação. Não se trata só de ganhar dinheiro com isso, mas de amenizar a dor da família enlutada. É como se fosse um ente nosso”.
A clínica recebe essa pessoa e então todo o processo é iniciado. Do banho à injeção do líquido arterial, o corpo passa por uma limpeza completa e é massageado para evitar inchaços. Além do tratamento antisséptico e de conservação, o corpo ainda recebe outros cuidados. Os cabelos são arrumados, as sobrancelhas e unhas podem ser feitas e há ainda o serviço de necromaquiagem, para naturalizar e embelezar o rosto daquele que se foi. Para casos mais graves, há a possibilidade de se realizar uma reconstrução facial. A família pode ainda opinar sobre o serviço, escolhendo a última roupa a ser vestida pelo ente querido, o penteado, o uso de joias, dentre outras coisas.
O que mais gostei na nossa conversa foi a resposta de Welbia quando eu perguntei se ela e suas funcionárias se sentiam menos sensíveis à ideia da morte. Ela me respondeu, prontamente, que não. Pelo contrário, “aprende-se a valorizar, diariamente, as nossas vidas e as vidas das pessoas”. Ou seja, esse contato íntimo com a morte e com o fim que ainda desconhecemos permite que elas aproveitem melhor o seu tempo social, seus planos e sonho. É combatendo todos os dias a ilusão da imortalidade que elas vencem a superficialidade com que muitas vezes vivemos, ignorantemente, sem prestar atenção às coisas, aos momentos e às pessoas que realmente importam. Afinal, aqueles que partiram também estiveram vivos, tinham empregos, família e amigos, como nós. Tinham atividades e comida favoritas, tiveram sonhos e memórias, estiveram no meio deste mundo dos vivos, onde estamos agora, sem saber, contudo, até quando.

Welbia Simão e eu
Foto de Davi Melo
@daviesuaprocrastinacao

Meu amigo Davi, que me acompanhou nessa visita, depois me confidenciou: “Penso bastante acerca da morte, da minha morte, da morte daqueles por quem nutro afeto e de tantas outras mortes. Eu não sabia absolutamente nada acerca de tanatopraxia. Absolutamente nada. Posso dizer (agora que sei um pouco) que é um trampo cheio de afeto, carinho e respeito, tanto para quem vai como para quem fica.”
Pois foi a mesma coisa que pensei. E foi a partir dessas impressões que escrevi Guarda-me bem e me ama também, um conto para falar das despedidas e dos afetos do fim, disponível aqui no blog (óbvio que já está todo mundo convidado para ler). E muito obrigada para quem chegou até aqui.

Link para o conto: Guarda-me bem e me ama também

Para quem quiser saber mais sobre a clínica Hórus e o serviço de tanatopraxia, segue o link para a página dela no Facebook: Clínica Hórus



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