Receita nova

De costas para o chuveiro e com o olho na rua, porque o banho tinha vista, ela abriu bem as nádegas para deixar a água quente escorrer. Imediato. A dilatação entrecoxas libertou um xixizinho pouco, involuntário. Vento gelado no rosto, frente fria noticiada nos jornais e uma curiosidade silenciosa para saber com quem o mundo seria cruel naquela noite de céu limpo, mas sem coração.

Ele esperava no quarto, dez anos mais jovem e intumescido desde as fragrâncias vaporosas que escapavam por debaixo da porta do banheiro. O sangue desvairava em combustão - proximidade do experimento - desejo mundano muitas vezes convertido em orações e agora realizado por algum deus muito generoso.

Mais tarde, entoaria aleluias.

Vozinha suave, passos molhados. Ela perguntou se ele tinha trazido os doces. Docinhos me deixam feliz, repetia, olhando o tipo de cada um e sorrindo para a receita nova. Tudo surrupiado, que ele não tinha dinheiro para pagar. Sem importância. Os patrões não davam conta do que ia para o lixo no fim do dia. 

Fazia lambuzeira, nem ligava. E ele olhava, quase arrebentado do lado de dentro, um ansioso no peito e no pau, embora soubesse que não haveria jeito para os dois, não naquela noite.

Ela escolheu um, dois. Levou-os para a cama e se deitou, mastigando e abrindo as pernas. 

O gosto como o dos docinhos, o licor como bebida sagrada. Aleluia! A língua inexperiente louvava as rédeas de quem a comandava. E tudo ali eram milagres: o corpo que orava de joelhos e o que flutuava possuído.

Quando achou que ela morria e depois que o assombro cessou, deu-se conta de que o deus estava n'Ela que lhe deu a graça.

Não sabia que as mulheres tinham desejos assim, ele disse, maravilhado. Ela riu. Oh, pobrezinho. Mandou-o embora e disse que chegava de doces para os dois. Se voltaria à confeitaria? Não ia prometer. Mas por alguma razão ele sentia, já espreitando uma profunda e desconfiada tristeza, que nunca mais a veria.


Ilustração de @mamilosestranhos






Comentários

  1. Coitado do rapaz, depois do coito a perda... Aliás, as palavras coitado e coito têm uma profunda relação...
    Como sempre, muito bom, melhor que chocolate!

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