Crônica de um amor embolorado
As
coisas ficaram mais claramente embaraçadas quando ela me apresentou à mãe e nos
reunimos para jantar à mesa da cozinha, como uma família. Virei genro um segundo depois.
Àquela
altura ela já havia dito, inclusive, que me amava. Havia ali uma ânsia, um
desejo ardente de estar sempre por perto. De dormir junto sempre que eu a
visitava. De ter uma vida sexual amorosa e agitada. Não é que tudo isso fosse
um conjunto abominável de problemas. Absolutamente não. O problema é que a
intensidade não era recíproca; e os poucos dias de idade conferiam à coisa toda
uma sensação de irresponsabilidade e precipitação que me esmagava o peito e desordenava,
como alguém que, sujeito a grandes velocidades, sofresse de forte confusão
mental.
Eu
gostava dela. Dos seus traços harmoniosos e da boca bonita, vermelha. Do nariz
pequenininho cheio de gotículas de suor. Do modo de gesticular que negava os
ares infantis. Da risada de timbres perfeitos, musicais, dessas que fazem a
gente querer abraçar apertado.
E todo
o mais parecia igualmente suculento, exceto pelas maneiras ansiosas de querer
estar perto; de querer fazer isso e aquilo e todas as coisas junto; de julgar
ter todas as soluções para as minhas adversidades, toda vida que uma delas
ameaçasse a nossa proximidade.
Na
última vez que a vi, eu me lembro, fui até a sua casa para tentar esclarecer
essas sensações de sufoco que me afastavam num crescente. Cheguei empático, determinado
a me entregar àqueles amores ansiosos, mas gentis e sinceros.
Ela então
me levou para o quarto abafado, cuja poeira, nos primeiros encontros ignorada, obstruiu
minhas vias aéreas de imediato e logo me fez sentir desinteresse pelo encontro
sexual. E enquanto ela investia nos beijos, abraços e carícias que certamente
me deixariam pronto para tomá-la rumo a orgasmos inesquecíveis, eu só conseguia
me concentrar no mofo e no pano de cama nunca trocado, desde que eu estivera
ali pela primeira vez.
A
rinite, imagine, andava maior do que as minhas inclinações afetivas. E quando
eu vi, na parede ao lado da cama, uma meleca de nariz, bolota densa e
esverdeada, suprassumo de todo o pó naquele quarto, talvez na vida inteira,
quiçá no universo: desabaram meus interesses, como uma estrutura cuja
engenharia, já há muito enfraquecida, colapsa em câmera lenta, levantando uma
nuvem grandiosa de . . . poeira.
Foi
doloroso ter que lhe explicar as razões para o fim. Quem aceitaria isso facilmente,
estando certa de um futuro de delícias, com um namoro quase oficializado nos
meios on-line? Com papéis ali já definidos, imagine, filha-namorada-mãe-sogra-genro-namorado-cunhado
e amigos todos a par, faltando pouco para uma saída de casal com fotos
publicadas? “Foi a pressa”, eu expliquei com vergonha, pensando que nas fotos
não aparecem a poeira e os bolores. “Foi a pressa”, concluí, entre um espirro
triste e outro.
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