As cataratas de C.


C. podia dizer sobre a qualidade de cada encontro depois de examinar a umidade na sua calcinha. 

Ia sempre ao banheiro para fazer xixi e puxava a calcinha para perto dos olhos, depois de abaixá-la, quase metendo-a nas fuças, para examinar o tanto de tesão que tinha sentido, os burburinhos de pele roçando e as palpitações no meio das pernas, igualzinho como se tivesse coração batendo lá também (e tinha, é sabido).

Se estava ensopada, fosse lá e repetisse. Melhor: consumasse o ato e experimentasse o indivíduo de vez. Tinha sopa, tinha orgasmo.

Se estava só meladinha, dava certo ainda mais uma chance, quem sabe. É que nenhum molhadinho deveria ser desprezado, porque nem sempre os bons amores começavam já em cachoeiras.

Agora, veja: se não tinha coisa nenhuma, vade retro, nhem, nhem. Tinha nada que perder tempo.

Ilustração de Allison Duarte 
@alduarte666

E foi assim mesmo, sempre muito sistemática, que C. descobriu o absoluto amor da sua vida. É que um dia andou agarrada a um rapaz, toda se amolegando, como diria sua avó, e olhe que C. nem tinha dado nada por ele, porque andava há dias com o coração partido por causa de outro fazedor de façanhas no mundo das roupas de baixo encharcadas, quando aconteceu o inaudito: vieram cataratas.

Pulou nervosa! Se era parto, se era bexiga solta, não estava sabendo de nada, imagine a vergonha!, o que pensaria o menino?, se era sangue ia morrer, precisava nem piscar, porque já tinha sangrado no tempo certo e não estava esperando chico naqueles dias.

Correu para o banheiro, nervosa, arregaçou a calcinha outrora branquinha, agora escura e empapada e constatou: não era sangue, nem parto, nem mijo; era amor.

Olhou de perto, cheirou, passou assim um dedo, depois colocou a mão na barriga e esperou. Vai que o corpo dizia alguma coisa. Não disse nada. 

Pois foi isso mesmo. Voltou para o quarto com os olhos inundados de lágrimas, tremendo emocionada, a calcinha esquecida no banheiro e C. muito pronta para morrer afogada quase uma meia dúzia de vezes, e para arrastar consigo o homenzinho impressionado, instantaneamente enamorado.

Dali mesmo, imagine você, dali mesmo eles imergiram.



Comentários

  1. Esse negócio de roçar pele é perigoso mesmo! Delicioso conto, divertido e envolvente!

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    1. Que bom, que bom que você gostou! Eu adorei escrevê-lo, oh!

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  2. Ótimo conto e desenho do Al Duarte ilustrou bem tudo. Ele tbm escreve coisas bacanas, apesar de ser chato a beça! Abraço

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  3. Muito interessante, as palavras soltas e alegres, um conto que encanta e assanha!! bjs

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